O estudo feito com a vacina CoronaVac na cidade de Serrana,
no interior paulista, demonstrou que, com 75% da população vacinada, a pandemia
do novo coronavírus pode ser controlada. O dado foi apresentado segunda (31) em
entrevista coletiva no Instituto Butantan, um dos fabricantes da vacina.
“O estudo indica que com 75% da população imunizada com duas
doses da vacina, a pandemia foi controlada em Serrana e isso pode se reproduzir
em todo o Brasil”, disse João Doria, governador de São Paulo.
A CoronaVac é uma vacina contra a covid-19 produzida pelo
laboratório chinês Sinovac e pelo Instituto Butantan e faz parte do Programa
Nacional de Imunizações (PNI). A vacina é aplicada em duas doses.
O estudo, chamado de Projeto S, teve início no dia 17 de
fevereiro e o objetivo era vacinar toda a população adulta da cidade para
avaliar a efetividade da CoronaVac. Serrana tem cerca de 45 mil habitantes, dos
quais 38% são menores de 18 anos, que ainda não podem ser vacinados por falta
de estudos clínicos para essa faixa etária.
O Projeto S previa vacinar 28.380 adultos com mais de 18
anos que vivem na cidade. Desse total populacional, 97,7% tomaram a primeira
dose do imunizante (o que corresponde a 27.722 pessoas) e 95,7% completaram seu
esquema vacinal, tomando também a segunda dose (27.160 pessoas).
Serrana foi escolhida porque apresentava alto índice de
prevalência de infecções por covid-19, além de estar perto de um centro
universitário e ter um hospital regional. Para o estudo, a cidade foi dividida
em quatro áreas, que foram vacinadas com uma semana de diferença entre elas. A
primeira área a ser vacinada, definida por sorteio, foi a verde, seguida pelas
áreas amarela, cinza e azul.
Com o fim da vacinação em massa, a cidade viu reduzir em 95%
o número de mortes por covid-19. Já o número de casos sintomáticos da doença
caiu 80%. A quantidade de hospitalizações teve uma queda de 86%.
Segurança
Além da efetividade, o estudo apresentou dados sobre
segurança, ou seja, se a vacina produz efeitos adversos nas pessoas que a
tomam.
Segundo Marcos Borges, diretor do Hospital Estadual de
Serrana, durante a vacinação em Serrana foram observados 67 eventos adversos
graves, nenhum deles relacionado à vacina. Nesse estudo, todos os eventos
adversos graves que ocorrem após a vacinação são relatados. Entre eles, Borges
citou acidentes de trânsito.
Após a primeira dose, foram observadas 4,4% de reações
adversas, sendo somente 0,02% considerados de grau 3, como mialgia ou cefaleia.
Já após a segunda dose ocorreram 0,2% de relatos de reações adversas, nenhuma
de grau 3.
Entre a aplicação da primeira e segunda doses, ocorreram 15
internações e cinco mortes entre as pessoas com idade acima de 60 anos e 28
internações e dois óbitos na população abaixo de 60 anos. Até 14 dias da
aplicação da segunda dose, ocorreram duas internações e um óbito na população
acima de 60 anos e três internações na população abaixo dos 60 anos. Passados
mais de 14 dias da aplicação da segunda dose, esses números caíram para duas
internações na população até 60 anos. Não houve registro de internações ou
mortes de pessoas acima de 60 anos passados 14 dias da vacinação.
Proteção dos não imunizados
A pesquisa mostrou ainda que a vacinação protege tanto os
adultos imunizados quanto crianças e adolescentes que não receberam a vacina.
Segundo o estudo, a imunização gerou uma espécie de cinturão imunológico em
Serrana, reduzindo drasticamente a transmissão do coronavírus no município.
“A redução de casos em pessoas que não receberam a vacina
indica a queda da circulação do vírus. Isso reforça a vacinação como uma medida
de saúde pública, e não somente individual”, destacou Ricardo Palácios, diretor
de Pesquisa Clínica do Instituto Butantan.
“Crianças e adolescentes menores de 18 anos não poderiam
tomar a vacina por falta de estudos. Mas houve redução dos casos também em
crianças. Não vimos, nesse estudo, o efeito de empurrar o aumento de casos para
os não vacinados. O que vimos foi proteção também para eles”, disse Palácios.
Isso indicaria, segundo ele, que não será necessário vacinar as crianças, neste
momento, para o retorno das atividades escolares presenciais.
Outro efeito observado no estudo, segundo ele, foi a
diminuição de casos inclusive entre os idosos não vacinados. “O efeito da
vacina é tão forte que consegue proteger até aqueles que não foram vacinados,
mesmo nas faixas etárias mais avançadas. E, quando acabamos a vacinação,
acabaram casos de hospitalizações e óbitos entre os vacinados. E ainda
conseguimos controlar também entre os casos não vacinados, não importando faixa
etária. Isso nos traz esperança e alegria”, disse Palácios.
Por isso, disse ele, não é importante oferecer uma terceira
dose de vacina aos idosos neste momento como tem sido cogitado. O que o estudo
deixa claro é que é importante aumentar o número de vacinados para que os idosos
também tenham mais proteção contra a doença. “Temos que aumentar a escala de
vacinação para ofertar aos idosos os benefícios indiretos da vacinação [em vez
de aumentar doses]”, destacou Palácios.
Cidades vizinhas
Serrana está dentro de uma região que, neste momento,
enfrenta elevação no número de casos e de internações. Há cidades nessa região
que tiveram recentemente que decretar lockdown, com fechamento de comércio e
proibição de circulação de pessoas.
Mas a incidência da covid-19 em Serrana foi bem menor do que
nas cidades vizinhas. Enquanto a região apresenta alta nos casos de covid-19,
Serrana manteve taxas baixas de contágio graças à vacinação. Mesmo com cerca de
10 mil moradores que transitam por outras cidades diariamente, ela alcançou um
cenário de controle da pandemia. “Sem vacinação, talvez Serrana hoje estaria em
colapso”, disse Palácios.
Apesar disso, a cidade ainda não vai liberar o comércio ou
permitir que as pessoas circulem nas ruas sem máscaras. “Ela [Serrana] não pode
dar um passaporte verde só porque participou de estudo e as pessoas foram
vacinadas. É preciso tomar os mesmos cuidados vigentes. O fato de ter esse
resultado de vacinação, vai ajudar lá na frente, no plano de flexibilização.
Por enquanto, ela segue em obediência ao Plano São Paulo”, disse Dimas Covas,
diretor do Instituto Butantan.
Segundo Covas, esse estudo não foi encerrado e a cidade de
Serrana vai continuar sendo monitorada pelo prazo de um ano.
Variantes
Segundo Palácios, a vacinação em massa em Serrana não
provocou o surgimento de novas variantes na cidade. A vacina, segundo ele,
mostrou-se efetiva com relação à variante P.1, que surgiu em Manaus e que é a
mais predominante na região onde Serrana está inserida. “Todos esses dados que
estamos demonstrando de efetividade são resultados que ocorrem na vigência de
uma pandemia predominantemente pela variante P.1. E isso é reconfirmação de que
a vacina é efetiva em relação a essa variante P.1”, disse ele.
“Podemos sonhar com o controle da pandemia. Mas as pessoas
devem parar de pensar na pandemia como um problema individual. É a comunidade
que vai me proteger; é a somatória da minha vacinação com a vacinação do outro
[que vai controlar a pandemia]”, explicou Palácios.
O detalhamento da pesquisa está disponível na página na
internet. Os dados, segundo Dimas Covas, ainda serão publicados em uma revista
científica para avaliação dos pares.
Um outro estudo, semelhante a este, está sendo desenvolvido
na cidade paulista de Botucatu, com a vacina Oxford/AstraZeneca/Fiocruz. |